Eu vivo perdendo as coisas....


os óculos na cabeça,

a caneta na mesa,
os anéis no balcão do salão, às vezes na pia
do banheiro, ou da cozinha.

a tesoura de cortar unhas?
eu nunca sei onde está. não me pergunte.
as chaves?
você está de brincadeira!

eu já perdi a hora, e estou sempre atrasada.
já perdi a manhã inteira!
a tarde fugidia...
o eclipse.
eu já perdi tempo.

uma vez uma pessoa me disse
que ter esperanças
não era lá uma coisa muito interessante de se ter,
afinal você não está acreditando no seu propósito,
você está esperando que ele aconteça.
o certo mesmo é você ter fé,
pois quando você tem fé, as coisas acontecem.
neste dia eu perdi as esperanças

... e foi complicado porque um pouco antes eu havia perdido a fé.

eu já perdi dinheiro e fiquei pobrezinha.
já perdi meu próprio aniversário, acredita?

já perdi amigos, amores, filho.
já perdi a coragem de sair da cama e pentear os cabelos.

ai você deve pensar... "Nossa que mulher perdida!"

não seja tão pessimista, embora viva perdendo as coisas,
eu nunca perco minha capacidade de reconstrução,
nunca desisto de procurar,
não abro mão da possibilidade do reencontro.

todas as perdas dão um rebuliço na casca que sou,
e me tiram da zona de conforto.

***


rosangela a.



Eu - Florbela Espanca

Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...
Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!...

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber por quê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou!



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