Desire

 


é só um dia se sol!
diziam os burburinhos,
enquanto meu peito abrasado
palpitava.

eu me esgueirava pela parede de saibro
para encontrar uma sombra
e abrir meu peito num uivo,
um uivo de despertar a cidade inteira
como um disparate em pleno dia.
um tiro contra um saco de areia,
um som qualquer em meio ao silêncio.

***

é só uma noite estrelada
diziam os malditos bêbados gritando na rua.
e eu fechava as janelas
por conta dos mosquitos
enquanto os meninos dormiam...
e eu continha os gritos abafados,
já entre os dentes.

é a vida diziam os insanos
enquanto tentavam uma explicação plausível.
busquei nas religiões,
filosofias diversas e Espinosa
gritou comigo bem alto
- que inveja -
e Nietzsche? afagou meus cabelos,
acalmou minha alma.
e conheci uma palavra mágica, confusa,
tão louca que me apaixonei a primeira vista.
a poética tirou meu chão, meu céu
me deixou despida
e me levou numa correnteza
de afogar qualquer grito.

- é só um sopro a vida -
diziam os poetas, as cortesãs, os velhos
a vida é boa dizia Adélia,
e vida é crua dizia Hilda.
a vida é um convite Ana Cristina!
a vida é fatal disse Clarice.

***

optei pelo uivo on the sea
para que ninguém ouvisse.

segui as margens de um papel
peguei uma linha e me afundei nela
e ainda estou emergindo
e noto as trilhas deixadas em páginas completamente mudas...
cheias de sol, cheias de sal,
de pedras, grãos de areia, cal,
maresia.

talvez a vida seja esta maresia impregnada
que enferruja as cordas vocais.

e tudo que se deseja da vida é a vida
que não se tem coragem de viver
preferimos o óbvio da vida pré moldada
ao invés do obscuro
a que a alma nos incita.

se tivesse o canto eu uivaria
pelas noites em bares cheios de moscas
e copos sempre vazios.
mas eu só tenho estas margens
e de certa forma
como fazem os poetas,
os insanos, os bêbados, os velhos, as cortesãs,
nelas objetivo a vida.

seria mais fácil falar de morte
a vida complica tudo...
viver é isto de observar e agir?
ou este desbravamento
das coisas que desejo e desejo
e desejo mais ainda?
viver é consumir!
até consumir-se ao ponto de se esvair.
Clarice está* certíssima.

rosangela a.
Camille Claudel - l'Implorante




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