a mulher que não sou
a mulher que não sou
saboreia o cardápio com garfo, faca e às vezes hashi. segura entre os dedos guardanapos de linho, se delícia em creme de papaia com licor de cassis, vomita no banheiro tudo que ainda não digeriu, bebe Frangelico às 20hrs e enfim levita.
a mulher que não sou está farta sobre um salto 15, e dialoga com outros seres fartos em restaurantes com variados perfumes, sem cheiro algum de comida, um desperdício! lagostas, camarões, polvos perfumados a Dior ou Chanel n°5. enquanto disfarça a azeitona no canto da boca antes de descarta-la com a mão esquerda cobrindo o buço, a mulher que não sou, sorri educadamente sem alegria alguma. puro glamour!
a mulher que não sou se sente tão suja que se banha em espuma após esfoliar a pele com sal do Mar Morto e se deita em lençóis brancos de 300 fios, num quarto branco, de cortinas brancas, asséptico de tão branco, com temperatura controlada abaixo de 18° complementando a decor que a deixa ainda mais pálida.
a mulher que não sou leva uma vida em branco, onde o preto entra nas molduras dos eletrônicos, nos sonhos quentes de afeto, ou em fotos em efeito Black Paris. ela é quase uma ausência do que é ser, se ser é o que se faz nos intervalos da não existência, aquele momento em que se respira e sente o calor e a umidade do clima invadindo as narinas, mas ela em sua alienação esqueceu como se respira e por isso vive ansiosa e com medo da vida, por isso ela, a mulher que não sou, já não existe. e não deve existir. desistiu da pobreza de espírito a qual se agarrara. eu desisto dela! induzi ela a um coma profundo.
como pode essa mulher existir dentro de mim? como pôde se exibir desfilando sobre a desgraça achando que assim se salvava da miséria alheia, enquanto não escapa da própria?
a mulher que não sou está definitivamente morrendo e tenho a impressão de que ela nunca existiu, de tão inútil que ela talvez tenha sido.
meu amor, preste atenção: se digo inútil é que ela se permitiu ser servida numa bandeja como uma refeição a ser consumida... dentes à mostra, filete de sangue no canto do olho esquerdo, seios ofegantes assombrados nas noites torpes. se banhou tanto que se esvaiu junto aos sais pelo ralo.
a mulher que eu sou
é muito mais complexa...
quer entender o mundo em que respira, usa havaianas pretas, adora pijamas e dorme em lençóis pretos de microfibra, se coça por conta das pulgas que sua gata pegou no telhado do vizinho.
a mulher que eu sou ama e odeia,
se vê dentro dos teus olhos, meu amor... não me vês? eu enfim existo. descobri que nos intervalos me dignifico e dignifico outras que miro.
ela geme quando está miserável ou não alcança a memória de uma palavra que quer exprimir em seus escritos sob a cama cheia de farelos de biscoitos maizena e calor. ela chora, garoa pela pele inteira, às vezes ela é orvalho quando se precipita em contato com coisas frias... de tão nebulosa se esconde dentro de minha iris,
está semicerrada dentro de meus lábios, e quem entra nela... se vê num labirinto.
porém, a mulher que sou está exposta em carne, líquidos e ossos... é etérea nas palavras em que à denuncio.
enfim, a mulher que sou vive um momento Buda, o momento agora, este que escapa, mas que quer sentir total cada átimo de instante, que pausa o respirar e observa o vazio
...a mulher que sou,
a mulher que sou
está cheia de vida e é livre.
rosa ataíde
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