Maria



me dê um pouco de tua boa fé?

estou de joelhos, mãos suplicantes,

silenciosa como um monge.


me ocorreu que talvez você pudesse me ajudar já que para ser santa e suportar teu filho na cruz, em algum momento você precisou ter muito dessa fé que move coisas.


é que sou.

e ser me exige tanto

que preciso crer em algo transformador que me ajude a prosseguir sendo.


sinto que me falta o chão,

estou em queda,

como uma folha desprendida.

te pouparia o peso do meu corpo clemente de fé se tivesse o mínimo dela.


não quero espera/nças

esperança me remete a uma espera ansiosa das coisas e ansiedade já possuo aos montes.


numa primavera de 74

alguém me trouxe aqui,

houve um milagre e nasci,

e eu respirei, e chorei sem entender o ar nos pulmões.

é que até então eu era aquática,

o som que ouvia se limitava ao meu coração coração, o coração e a voz materna ao fundo.


emergi por conta do milagre,

da força de minha mãe,

de minha necessidade de existir...

rompi as paredes de seu útero,

envolta em placenta.

acredite!

e mesmo que eu tenha estraçalhado seu corpo... aquela mulher me amou até o cerne. Fé! Fé em mim?


me dê um pouco de tua fé?


prometo permanecer silente e mesmo que me debulhe em lágrimas,

levarei minhas mãos ao rosto

para abafar o som de qualquer lamento ou alegria,

lavo as lágrimas num mergulho profundo e assim abafo o ritmo acelerado de meu peito...

ninguém me ouviria

gemer, ou tremer de frio.


me dê um pouco de tua fé, eu suplico!

é que perdi a minha após volver o mundo que me cabia ser.


sou...

estou aqui,

quero seguir sendo...

mas sem fé

não precinto a lua,

a chuva,

o nascimento,

a morte eminente,

as cartas de tarô sobre a mesa,

a hora da travessia.

deixo se ser bruxa,

deixo de ser poeta,

não há alquimia.


me dê um pouco de tua fé por misericórdia!


é que embora ainda seja,

pois estou me sentindo...

deus esmaga minha cabeça,

para que eu nele acredite,

pois me perdi por aí,

e só a fé pode me trazer de volta e me salvar do peso da mão de deus e das garras acariciadoras do diabo.


rosa a.

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