A Torre, o Louco e o Mundo...




─  não se desiste de amar um bom amor.


respiro fundo antes de dizer essas linhas.


não enquanto ele se agiganta

e parece que de sua garganta

saltará até a língua e os lábios.

não se desiste de amar nem quando ele hiberna e fica escondido, quietinho e você se distancia por uma rua de pedras, cheia de receios...


─ isso é desânimo, eu diria.

─ bloquinho de notas entre os dedos fincados no casaco de moletom,

para não esquecer.


─ anotações sobre atos de amor?

─ eu ia dizer, para aquecer também... mas é além.


não se desiste de amar, e eu quase grito!


isso me lembra ternura, desnudar, 

olhares rasantes que se atravessam, 

bocas aquecidas pelo bafejo de tão perto, o corpo inquieto que se aconchega, 

mais perto, 

mais perto.


─ pode ser quente.

ー eu te garanto!

talvez por isso uns chamam 

"encontro de chamas".


ー não acredito nisso.


por isso insisto, não se desiste de amar!

almas perdidas que se encontram não se desistem. 


─ e quando o amor não vem?


ele pondera.


disso que estou falando, amor. 


ato falho.


não desista de amar um bom amor, 

mesmo que ele vague por ai, sem saber como te encontrar e demore, perdido.

só se desiste de amar quando este te sufoca a alma e te maltrata a carne e vira bile amargando tua língua... 

mas aí, sabemos... não é amor e não sei dizer o que é, mas já vivi isso.


─  talvez algo parecido com cianureto, um veneno qualquer que te mata de tão fatal. 

o nome disso é violação humana, 

desse devemos correr, pois a bala de prata pode estar mirando nosso peito.


─ mesmo que não sejamos o opressor,

o vampiro.


...mas de um bom amor não se desiste!


estive amando por muito tempo um amor que nunca chegava, que fugia,

o amor que não vinha. não era um amor platônico, uma ilusão, ou delírio. era amor de dia a dia de dividir a vida. mas relutante na entrega, disperso, indiferente. aquele que nunca chega. um amor antissocial, amei o Narciso.


─ não demora?

─ veja bem! 


por timidez finjo não entender.


estou escondida neste momento.

me assumo perdida, entre elos segurando um liame e outro, temo a queda ao soltá-los.


─ a vida corre insana, não vês?

─ há muito perdi o que havia de concreto nela, sou insana como a vida. sinto angústia e não quero estar presente quando esta torre cair.

─ eu te seguro.

─ mesmo sem saber as dimensões do estrago?

─ então é você que desiste? te falta coragem?

─ isso me soa como uma promessa, mas estou flertando com a ideia de amar, algo que chega de mansinho, e vai se instalando. mas que chega enfim, e gosto disso.

─ talvez seja libido, talvez seja nada, talvez algo do qual não se deva desistir, "talvez amor".


roubo a fala...


após essa me senti aquela gota de aquarela escorrendo no papel. e corro pela tela... para onde ainda não sei.

se estrada, se ponte, abismo, 

se queda livre nos braços de afagos. 

atrás de mim, uma colina com uma torre, à minha frente um jardim. as flores me assustam. mas repito mesmo que meu traço esteja fraco, ou minha letra apagada na hora de assinar a tela, cochicho aos ouvidos atentos. 


─ hei, você aí, não se desiste de amar um bom amor.


─ daqui eu escuto tudo!

─ silêncio ser atento... estou te decorando! quero pintar você, ainda que seja por entre letras. já te admiro tanto... 

e sequer sei nada sobre você. 


rosangela a.


 

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