A atemporalidade dos novos Lobos - 17/02/21


Um amigo disse, e pondero os pensamentos dos que tem 10 anos a mais que eu (digo supostamente)... "Vinho seco! Que de suave já basta a vida." Acho que não com as mesmas palavras.


Visto aqui de baixo dos meus 46 anos ( ou debaixo se preferir ), a ficha caiu no meio de minha testa penetrando meu crânio gritando... Tá vendo só, ser arrogante?

Quanta pretensão a minha julgar a vida, a dos meus e até a minha, a vida... Essa geleia! Quanta pretensão cada vez que abro a boca ou digito um teclado para rebater o pensamento alheio. Não falo de silenciar meus ideais, minha livre expressão, a base que constitui meu ser depende de como me manifesto diante da vida... mas de silenciar os conflitos externos, até porque os internos já são bem pesados.

São duras as flechadas da vida quando começam a vir em riste ao nosso auto julgamento. 46 anos e não sei nada da vida, e provavelmente você também não sabe. Não sei exatamente quando comecei a me ocupar tanto da morte e somar perdas, e somar desafetos... Quase como num romance, um flerte, um caso extra conjugal (se acaso me comprometesse), sei lá, uma paixão... Um entorpecente!

Eu não sei nada, às vezes nem como me vestir adequadamente à minha idade, e confesso, não me importar com isso, e ainda arrisco dizer que vez ou outra, tropeço meu meu próprio cadarço, até os evito.

Durante um tempo, eu cuidei de um idoso. Meu sogro adoeceu após o falecimento de sua esposa. Ele sofria de demência senil, e na época era só eu alí. Não havia nenhum outro corpo disponível a tarefa de cuidar e zelar por aquele outro corpo em despedida. Às vezes acho que um Poder Superior me colocou naquela família para essa função, como se eu fosse designada por algo maior que eu para estar alí, esta mesma família, que digo meio louca, me acolheu, quando perdi meu primogênito. Um baque! Mas eu pude retribuir na mesma moeda, ou até em maior grau.

Certamente você também se doa a alguém e nem percebe.

Por incrível que pareça, estando condenada a não poder mais ser mãe, sem perceber, em pouco tempo me vi novamente entre fraldas, papinhas, cortadores de unhas, mingaus, talcos, hidratantes de bebê, e um doutor, PhD em medicina de 1,80m para dar banho, cortar os cabelos, fazer barba e bigode, cortar unhas, alimentar em horários adequados, medicar, vestir e cobrir para proteger do frio, e por aí vai... Por respeito vou evitar as partes mais degradantes.

"A vida é suave!"

Eu observava meu sogro voltando à infância, regredindo, voltando ao solo que a todos consome como se estivesse sendo embalado no seio da Terra. Na vida existe estes casos, em que a morte vai conquistando aos poucos, como num embalo de uma canção de ninar... "Descansa minha criança, em meu seio adormeça, silenciosamente para o sonho dos eternos e se assente ao meu lado em pleno regozijo e alento."

Perder um filho me trouxe a certeza de que algum deus me açoitava, e eu pensava que este deus me julgou incapaz de ser mãe. Então a possibilidade de ter outro bebê foi sendo descartada e foi totalmente após descobrir um mioma em meu útero alguns meses depois. Sem perceber que estava sendo mãe do meu velho, sem perceber a grandiosidade em cuidar de alguém necessitado deste tipo de entrega, de doação, de dedicação... Chame como quiser.

A gente se julga e se condena sem olhar que de algum modo estamos num constante reparo dos erros.

No mesmo período que perdi meu sogro, perdi minha mãe para o câncer. Eu lembro um dia em que dei banho em minha mãe, totalmente debilitada, nos seus 56 anos pesando o mesmo que uma criança de 4 anos. Naquele dia fui mãe de minha mãe.

A vida é suave!

Acredite quando alguém te disser isso. Ela o é de fato. Mesmo embora você esteja sendo consumido por exaustão, mesmo que esteja sendo consumido pelas dúvidas que a vida traz, mesmo embora o peso do tempo esteja dilacerando tua carne. Pois se você parar para ver a vida, você não terá dúvidas de que está em uma grande escola e para ser aprovado você precisa passar em vários testes.

Muitos do nosso tempo, estão sorvidos pelas tarefas do dia a dia e não se dão conta que de alguma forma as respostas para suas questões está justamente no viver, no prosseguir. E sim, passamos pelas vidas de inúmeras pessoas, e muitas vezes saímos magoados, feridos enfraquecidos e nos esquecemos que de alguma forma deixamos na vida daquelas pessoas alguma parte de nossa essência. Cada um segue seu caminho e a estrada tem se tornado cada vez mais longa já que vivemos tempos de longevidade cada vez mais estendida (independente das pandemias). E assim como deixamos nossa essência por aí, trazemos a essência dessas pessoas conosco, e não pára por aí, mais e mais pessoas passarão por nossas vidas, muitas permanecerão mesmo que seja como lembrança, ou fisicamente... Na verdade isso pouco importa quando chega o cansaço. A partida é solo.

A vida é leve!

E crer nisto não é envelhecer, envelhecer pouco importa, afinal você pode se dar conta disto aos 20 anos, ou que seja aos 80.
Isto é mais... é amadurecer!
Esqueça o tempo, só observe a leveza dos dias, mesmo os mais pesados. Como um lobo no topo de uma montanha alerta e confiante em sua coragem e preparo para os desafios.

Você já aprendeu a amarrar seus cadarços?
Há quem prefira nem usá-los.

rosangela a.

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