ser de Antônio



eu deveria ser de Antônio, com meu corpo estendido em esteira de palha dividida. 

viveria nas nuvens entre canções e alegrias, e embora alguns dias tristes me assolassem, Maria me ergueria como quem sacode a poeira das colchas de fuxico. 

eu deveria ser de Gracinha entre banhos ferventes de bacia e bolos de fubá, conversas longas substituiriam minha escrita. teria a vida leve e bem resolvida e me pesaria a saudade desses dias entre campos, fugindo da boiada, pulando a porteira... 

eu deveria ser de Lourdes embora pouco saiba de Lourdes, forte, altiva certamente seria, mas a estabilidade e a fé me seriam garantia de vida. Acho que de Lourdes eu tenho a resiliência de superar desafios. 

eu deveria ser de Mariana embora não saiba das coisas de Mariana, Mariana é um mistério, justo que Mariana era nômade entre as feridas da família... até acho que sou Mariana, quando me vejo perdida... e arredia, ou quando pego um potro pela crina. 

eu não sei se deveria ser de Roberto, pois certamente não existiria entre os meus e seria esquecida, ou um punhal no meio do peito me extinguiria a vida... tudo resolvido. 

talvez, se fosse de Santinha, seria outra, alguém sem poesia, mas com os contos acumulados na memória, dentre tantas histórias e estórias de família, e sim teria uma vida entre varais brancos, uma vida limpa. 

eu queria mesmo, era ser de Luiz... e teria com afinco os seus olhos sobre mim e a mão a me orientar pela vida entre praticidade, amor e zelo, Luís seria meu Norte, minha bússola e certamente me amaria. 

não sei o que seria de mim se fosse de Juca, mas garanto que Edméia me daria o suor dos dias para que eu fosse sempre grata pela vida. Se de Juca fosse, teria o cabresto da vida, assim, preso... nos punhos. 

mas no meu plano de vida, escolhi ser de Vera e Doginho... e neste momento me veio em mente Matilde Campilho, pois ser de Vera e de Doginho, "diz muito sobre" minha insanidade. 

consequentemente, a vida ao léu, filha de pai solo entre tantas mulheres abaladas, me fez de vários universos femininos e hoje digo, por todas... sou Feminista! e por isso sou todas cabíveis. 

meio hippie, tenho a escrita na ponta dos dedos, a insatisfação que me assola a vida. um cardápio de discussões sobre mesquinharias, quase uma amargura, aquela angústia doída no peito. 

tenho a vida solta como pipa que voa perdida na ponta da linha, subindo e descendo e curiosamente quando venta forte perco a linha. ou meio bola de gude tentando quicar no carpete do apartamento. 

no fim das contas, eu sou a que sou e me doo ao máximo por aí, sendo ainda a que tem um pouco de cada um desses entes e da ancestralidade que corre em minhas veias, antes, bem antes de Manuel Lourenço e Magnólia, Derli e Benedito 

...isso diz muito sobre sonhar com lençóis e cortinas brancas, uma casa com uma horta no meio do jardim e o peixe fresco sobre a mesa. isso diz muito sobre as batidas do meu coração, sobre meu esôfago, meu crânio, códigos genéticos que não decifro... mas ser destes, meu deu uma potência de vida... trago às mãos as palavras e um pouco de poesia. 


Rosangela Ataíde

Fotografia: Akula -

 

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