leve ancorar

 



pousar da bruma a canoa,

baixar os remos,

lançar a rede sobre o espelho


a isca no anzol já foi devorada,

eu vi o peixe menino

se arriscando para comê-la


leve deslizar,

estou escoando lentamente 

neste ar saturado 


e com uma leveza que não 

me sustenta nos 'olhos duros,

deixar o vôo às aves migratórias

- elas retornam 


amparar o corpo e esperar

que se apasigue o devenir,

o tremor do mundo

e silenciem as bombas


...todo o caos que nos entristece

agora,

nos diminui

ao ponto de nos sentirmos nada

diante à barbárie que nos transcende


estamos lavando as mãos 

sobre o sofrimento alheio

dos meninos que morrem,

das mães que choram

e murmuram suas mazelas,

dos rapazes condenados às guerras,

das moças que dançam 

para obter o sustento da vaidade

nos cabarés da tela Led,

assim, na palma da mão 

estão as donzelas

nessa lanterna que acende 


leve, o vapor do sereno esfria a água

cobrindo-me com um nevoeiro

que não dissipa 

já não avisto as garças mouras

tecendo minhas marolas 

já não sinto a margem

sequer ouço o bater das asas do tempo

e pareço um vidro de tão estático


até agora nenhum peixe na rede

daquele que dorme sobre a canoa 

e que sou eu, eu que sou ele

mas ele não se sabe...


e

adormeço embalado

pela dança do povoado

dentro de mim


o pescador desbrava-me

em serenidade de quem sabe 

meus contornos 

sem saber de minhas profundezas 


... ambos somos o velho rio 

e por hoje temo

que alguma tempestade

modifique a paisagem

e a cheia nos empurre veloz

ao mar 


só por hoje 

eu quero a calma de um lago


rosa ataíde imagem e poesia


@rosaataideart



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